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A artemisinina e seus derivados como agentes no combate ao parasito da malária

  • Foto do escritor: Maurício Jampani de Souza
    Maurício Jampani de Souza
  • 10 de mar. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 24 de mar. de 2021

Vejam como as plantas podem ter propriedades importantes no combate a doenças!

Aqui discutimos alguns exemplos.


A artemisinina

A artemisinina e seus derivados estão entre os fármacos mais importantes no combate ao parasito da malária.

(Imagem: Kristian Peters -- Fabelfroh 11:39, 16 September 2007 (UTC) - photographed by Kristian Peters (CC BY-SA 3.0))

A artemisinina é um bioativo resultante do metabolismo secundário (aquele que não é vital para a planta, ou seja, não está relacionado à produção de energia para as células) das plantas da espécie Artemisia annua L., uma plantinha originária da Ásia, mas encontrada em todo o mundo. Esse composto possui uma estrutura química complexa, tornando inviável a síntese química dessa substância em laboratório. A atividade antimalárica foi descoberta pela pesquisadora chinesa Tu Youyou, que pesquisou textos chineses antigos que mencionam tratamentos para a febre provocada pelo parasito (para saber mais sobre a história dessa pesquisadora, vencedora do Nobel de medicina em 2015, consulte a sugestão de leitura aqui) (Kayser, 2018).

Os processos associados à produção de artemisinina tiveram investimentos em ciência e tecnologia que levaram a um aumento significativo da quantidade extraída por planta de forma a viabilizar a sua comercialização, principalmente em países do terceiro mundo (Sawyer, 2011).

A quantidade de artemisinina adquirida da extração direta de folhas das plantas de Artemisia era muito baixa, sendo de apenas 0,4% do extrato total, quantidade insuficiente para a demanda do mercado em tratamentos contra malária. Por conta dessa demanda, a fundação Bill e Melina Gates, em conjunto com a Universidade de York, na Inglaterra, conseguiu através de investimentos em tecnologias de melhoramento molecular aumentar a produção de artemisinina para 1,2%-1,6% nas extrações, no entanto o preço final ainda era inacessível (150-1500 USD/kg) (Covello, 2008).

Em 2003, a Universidade da Califórnia, Berkeley e a fundação Bill e Melina Gates se uniram em um novo projeto para produção desse fármaco usando as leveduras do fermento de padeiro (Saccharomyces cerevisiae), com o intuito de diminuir o preço final do composto. O objetivo era identificar os genes envolvidos na síntese de Artemisinina na planta e transferi-los para que fossem expressos pelas células de leveduras! Sim, células de leveduras transgênicas para produção de um composto químico naturalmente encontrado em plantas! Dessa forma, metodologias de engenharia genética foram necessárias para adaptar a expressão dos genes de forma que a produção fosse feita em grande escala e em fermentadores.

O laboratório de Jay Keasling e seus colaboradores identificaram todos os genes e enzimas da via de biossíntese da molécula e otimizaram a expressão desses genes (Ro et al., 2006). Os pesquisadores desenvolveram ferramentas genéticas para a manipulação do metabolismo microbiano, de forma a aumentar a produção em escala industrial (MARTIN et al., 2003, p. 796). O sistema desenvolvido apresenta promotores da expressão gênica que permitem o controle da transcrição de forma consistente em todas as células de uma cultura. A síntese de artemisinina pela planta possui genes de expressão induzida, ou seja, com expressão dependente de fatores externos como a sazonalidade, índice pluviométrico, radiação UV, composição atmosférica, herbivoria e ataque de patógenos, idade, água e nutrientes, temperatura e altitude. O que não acontece quando as células de levedura produzem a artemisinina. A levedura transgênica foi capaz de produzir ácido artemisínico em uma fração de biomassa comparável à produzida por A. annua (4,5% do peso seco na levedura em comparação com 1,9% de ácido artemisínico e 0,16% de artemisinina em A. annua), mas em um tempo muito mais curto (4-5 dias para levedura versus vários meses para A. annua) (Ro et al., 2006; Westfall et al., 2012; Gobbo-Neto; Lopes, 2007).

Resumidamente, a maior parte do tempo foi gasta para elucidar o começo da biossíntese do composto para agilizar e aumentar a quantidade do produto desejado, após todas as descobertas e invenções aplicadas a essa produção sintética a partir do fermento de padeiro, foi liberado pela OMS a produção industrial do fármaco, começando em 2013 com 25 tons produzidas e passando para 55-60 tons em 2014, no entanto o preço por quilograma da artemisinina se manteve quase igual, 350-400 USD/kg (Kayser, 2018).

O histórico do tratamento antimalárico

Desde 1600, a quinina era utilizada como tratamento contra a malária pelos missionários jesuítas na América do Sul, que usavam a casca da árvore da quina (quina-quina). Foi só em 1820 que esse composto foi extraído e purificado pelos cientistas Pierre Joseph Pelletier e Joseph Caventou, fazendo com que se tornasse de fato o tratamento mais comum contra a malária. Já na década de 1920, surgiram antimaláricos sintéticos mais efetivos, como a cloroquina, que teve seu auge de utilização na década de 1940 (Abreu et al., 2018).

No entanto, no final da década seguinte, foi observada a resistência do Plasmodium falciparum (responsável por causar forma mais grave da malária) a esse medicamento em certas partes do Sudeste da Ásia e América do Sul. Nos anos 80, tal resistência já tinha se espalhado para quase todas as áreas endêmicas, fazendo a quinina voltar a ser o medicamento fundamental no tratamento dessa doença (Achan et al., 2011). Em 2012, foi feito um estudo que comparou os derivados de artemisinina e a quinina em relação à capacidade de eliminar o P. falciparum do corpo o mais rápido possível, e o resultado foi que os derivados de artemisinina demonstraram menor tempo de eliminação, estando associado a menores taxas de mortalidade em adultos e crianças (Sinclair et al., 2012).

Apesar de ser o mais recomendado para combater essa espécie de Plasmodium, existe uma preocupação relativa ao desenvolvimento de resistência por parte do mesmo aos derivados de artemisinina, assim como aconteceu com a cloroquina anos atrás. Por conta disso, é indicado que o tratamento seja feito com a combinação de artemisininas e outros agentes ativos para que haja a proteção contra o desenvolvimento de resistência à drogas individuais (Noedl et al., 2008)

Estudo brasileiro referente a resistência do Plasmodium falciparum

Em 2003 foi realizado um estudo que consistiu em analisar duas combinações de medicamentos contra a malária, visando a avaliação de resistência do agente etiológico às drogas prescritas, artesunato endovenoso e artemeter intramuscular (ambos derivados da artemisinina) associados à mefloquina ou clindamicina.

Os derivados de artemisinina lidam rapidamente com a parasitemia (presença de parasitas no sangue) e são esquizonticidas sanguíneos de ação rápida, ou seja, promovem a cura clínica por interromper o ciclo eritrocítico da doença, que se baseia na reprodução assexuada do P. falciparum nas células do sangue. No entanto, quando não administrada com uma droga de excreção lenta como a mefloquina, antimalárico análogo sintético da quinina, o paciente pode apresentar recrudescência, isto é, o reaparecimento mais intenso dos sintomas de uma doença (Alecrim et al., 2003).

O resultado para as combinações de medicamentos foi positivo, de modo que mais da metade dos pacientes que apresentaram tanto a malária grave quanto a moderada, sendo tratados com o artesunato endovenoso ou o artemeter intramuscular ficaram apiréticos (não apresentaram febre), no segundo dia de tratamento. Além disso, também houve uma melhora significativa quanto à negativação da parasitemia nos dois grupos de tratamento e com os dois tipos da doença, grave e moderada, levando à conclusão de que os dois tratamentos, associando as drogas já citadas anteriormente, apresentaram a mesma evolução clínica e parasitológica (Alecrim et al., 2003).


Referências bibliográficas:

ABREU, Alessandra. SANTOS, L.H.S.. LEMOS, M. F.. MENEGALE, Clara de Castro Silva. Sanchez, Renan Cardoso A EFETIVIDADE DA ARTEMISININA E DA QUININA NO TRATAMENTO DA MALÁRIA POR PLASMODIUM FALCIPARUM: UMA REVISÃO DE LITERATURA. Revista Científica Semana Acadêmica. Fortaleza, ano MMXVIII, Nº. 000129, 16/08/2018. Disponível em: https://semanaacademica.com.br/artigo/efetividade-da-artemisinina-e-da-quinina-no-tratamento-da-malaria-por-plasmodium-falciparum

Acessado em 01 mar. de 2021.


ACHAN, J. et al. Quinine, an old anti-malarial drug in a modern world: Role in the treatment of malaria. Malaria Journal, v. 10, n. 114, p. 12, 24 dez. 2011.


ALECRIM, M. DAS G. C. et al. Treatment of children with malaria Plasmodium falciparum with derivatives artemisinin. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 36, n. 2, p. 223–226, 2003.


COVELLO, P. S. Making artemisinin. Phytochemistry, v. 69, p. 2881–2885, 2008.


GOBBO-NETO, L.; LOPES, N. P. Plantas medicinais: Fatores de influência no conteúdo de metabólitos secundários. Quimica Nova, v. 30, n. 2, p. 374–381, mar. 2007.


KAYSER, O. Ethnobotany and Medicinal Plant Biotechnology: From Tradition to Modern Aspects of Drug Development. Planta Medica, v. 84, n. 12–13, p. 834–838, 1 ago. 2018.


NATURE. Artemisinin: A synthetic Biology Success Story. Meio eletrônico. Disponível em: < https://www.nature.com/scitable/blog/bio2.0/artemisinin_a_synthetic_biology_success/>. Acessado em: 01/03/2021.


NATURE. Demand for malaria drug soars. Meio eletrônico. Disponível em: < https://www.nature.com/news/2010/100803/full/466672a.html>. Acessado em: 01 mar. de 2021.


MARTIN, V. J. J. et al. Engineering a mevalonate pathway in Escherichia coli for production of terpenoids. Nature Biotechnology, v. 21, n. 7, p. 796–802, 1 jul. 2003.


NOEDL, H. et al. Evidence of Artemisinin-Resistant Malaria in Western Cambodia. New England Journal of Medicine, v. 359, n. 24, p. 2619–2620, 11 dez. 2008.


SINCLAIR, D. et al. Artesunate versus quinine for treating severe malaria. Cochrane Database of Systematic Reviews, v. 2012, n. 6, p. 50, 13 jun. 2012.


WESTFALL, P. J. et al. Production of amorphadiene in yeast, and its conversion to dihydroartemisinic acid, precursor to the antimalarial agent artemisinin. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 109, n. 3, p. E111–E118, 17 jan. 2012.

댓글 2개


Anita Seneme Gobbi
Anita Seneme Gobbi
2021년 3월 10일

Que incrível! Muito importante trazer essa informação para mais pessoas. Adorei o texto, ficou super fácil de ler e entender, parabéns ❤️

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Anna Beatriz Queiroz Di Souza
Anna Beatriz Queiroz Di Souza
2021년 3월 10일

Perfeito! Muito interessante saber sobre! 😍

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