Pseudociência: o que é e como identificar?
- João Vitor Ferro Mazzei
- 30 de mar. de 2022
- 8 min de leitura
Autor: João Vitor Ferro Mazzei

(Imagens: Geralt, Cokada, Chikovnaya)
Recentemente, publicamos um texto em nosso site abordando as características do conhecimento científico e do conhecimento popular. Contudo, ficamos de explicar um terceiro conceito bastante difundido, seja por redes sociais, programas de televisão, parentes, amigos, profissionais formados, famosos e até mesmo por governantes, o que pode ser prejudicial para a sociedade como um todo: a pseudociência.
Mas… o que é a pseudociência?
Pseudociência é um termo utilizado para caracterizar determinadas práticas e teorias que dizem apresentar comprovação científica, mas que no fundo, se apoiam em fracas evidências, falsas correlações e em estudos que não seguem rigorosamente a metodologia científica, produzindo resultados insatisfatórios e irreais. O prefixo “pseudo” significa algo falso e, nesse caso, “pseudociência” é uma “falsa ciência” que tenta se passar por verdadeira.
Astrologia, terraplanismo, homeopatia, acupuntura, aromaterapia, terapia de cristais, movimento antivacina, ozonoterapia, design inteligente, numerologia...(“Instituto Questão de Ciência”, 2018; RANDI, 1995) A lista das pseudociências é imensa e elas estão presentes em praticamente todas as áreas do conhecimento!
E como diferenciar a ciência da pseudociência?
Para que façamos essa distinção, mesmo não sendo fácil, precisamos entender como cada uma é feita.
A ciência é realizada por cientistas, que utilizam uma poderosa ferramenta para o trabalho: o método científico. O método científico é o manual de regras que dita como uma pesquisa deve ser elaborada e, por isso, ele deve ser seguido de forma rigorosa para obtermos resultados adequados. O método científico já foi descrito em nossa postagem anterior (aqui), mas, resumidamente, ele se estrutura na elaboração de hipóteses a partir de observações ou suposições que devem ser testadas para comprovar ou não a sua veracidade, testes esses que podem ser reproduzidos por outros cientistas.
Como foi citado, as hipóteses devem ser testadas e isso não é à toa. Para que o conhecimento científico seja de fato científico ele deve ser falseável, em outras palavras, deve ser testável e capaz de se mostrar falso (refutável), um critério proposto pelo filósofo da ciência Karl Popper na década de 1930 (PIRES, 2018). Tal critério determina que um conhecimento que não é falseável não pode ser considerado científico.
Graças ao método científico, as hipóteses podem ser testadas e confrontadas e, caso estejam erradas, podem ser reformuladas ou descartadas. Esse é o princípio da ciência, com um método que permite a correção de erros através de testes e contestações.
Tudo bem, a ciência é feita através do método científico e ele é extremamente rigoroso. Mas... a pseudociência não segue o método científico?
Pois é, à primeira vista a pseudociência parece de fato seguir o método científico, pois utiliza termos técnicos e mostra resultados positivos. No entanto, quando publicam alguns estudos, e esses são analisados, diversos erros metodológicos e vieses são encontrados, o que é mais que o suficiente para que seus resultados sejam irreais e inconclusivos.
Em um artigo publicado por Lee & Hunsley (2015), foram abordadas características comuns às pseudociências, que incluem:
Adição excessiva de hipóteses para explicar os resultados negativos, o que a impede de ser falseável, requisito essencial para o real conhecimento científico;
Muitos dos estudos evitam revisões por pares, ou seja, evitam revisões por outros cientistas para validar os resultados, tudo isso para que erros metodológicos não sejam expostos e seu trabalho seja desmerecido;
Dão ênfase na confirmação de seus resultados, como forma de ocultar as refutações e resultados negativos;
As hipóteses e resultados não condizem com as pesquisas científicas básicas ou aplicadas, violando até mesmo teorias muito bem estabelecidas como a da evolução ou da gravidade, por exemplo;
Confiança excessiva em evidências anedóticas, o famoso “meu tio tomou e funcionou”, algo que cria falsas correlações de causa e efeito e que não podem ser utilizados como evidências científicas;
Inversão do ônus da prova. Na ciência, quem propõe hipóteses possui o dever de prová-las. A inversão do ônus da prova é quando quem propôs a hipótese passa essa responsabilidade para outra pessoa. Imagine que um amigo te diz que viu um dragão e, caso você não acredite, ele te fala: “prove que eu não vi um dragão”. Esse é um exemplo simples de inversão do ônus da prova.
Infelizmente, identificar uma pseudociência nem sempre é fácil, mas quanto mais características uma determinada prática apresentar, maior é a probabilidade de ela ser pseudocientífica, dando suporte para ficarmos atentos com a situação.
Por que a pseudociência é tão difundida na sociedade?
A propagação excessiva da pseudociência está muito relacionada com as suas características principais. O físico e divulgador científico Carl Sagan aborda em seu livro “O mundo assombrado pelos demônios”, que a pseudociência oferece respostas imediatas, fáceis e certeiras que alimentam esperanças e satisfazem necessidades emocionais das pessoas. Um exemplo disso é quando uma pessoa com uma doença grave prefere ser tratada por terapias alternativas e remédios milagrosos, oferecidas por pessoas carismáticas que garantem que vão te curar, em vez de ir ao hospital receber um tratamento seguro e comprovado, mas que as chances de cura não são altas.
Outro fator que impulsiona a propagação da pseudociência é a sua divulgação feita nas redes sociais, em jornais e revistas, programas de televisão, com publicidade de pessoas famosas, dando maior visibilidade para essas práticas. Visibilidade essa que a ciência muitas vezes não tem.
Quais os danos da pseudociência na sociedade?
Já vimos o que é uma pseudociência, exemplos dessas práticas, a diferença entre ela e a ciência e o motivo da pseudociência ser tão presente em nossa sociedade. Mas uma pergunta que fica é: ela apresenta riscos?
Atendo-nos apenas ao âmbito da saúde, as pseudociências apresentam sim riscos, tanto individual quanto coletivo, já que se baseiam em teorias e práticas que não são comprovadas cientificamente, mas que afirmam, de forma enganosa, ser. Como no exemplo citado no tópico acima, se uma pessoa doente busca uma terapia pseudocientífica para tratar sua enfermidade, as chances de o quadro se complicar são altas, já que não está recebendo um tratamento adequado e eficaz. Além disso, a busca por essas terapias também pode atrasar o diagnóstico de doenças, podendo causar consequências graves para a saúde do paciente no futuro.
Outro ponto importante é o fato de o próprio Sistema Único de Saúde (SUS) financiar terapias alternativas que não apresentam comprovação de sua eficácia, fornecendo e incentivando o acesso da população às práticas pseudocientíficas, gastando dinheiro público com algo ineficaz ao invés de utilizá-lo com coisas essenciais e básicas para o sistema de saúde e, por fim, trazendo riscos à saúde da população ao indicar essas práticas.
Mas… o estudo de plantas medicinais e fitoterápicos é ciência ou pseudociência?
Para que algo seja considerado ciência é necessário que ela siga o método científico com todo o rigor e sim, as plantas medicinais e fitoterápicos possuem o respaldo científico necessário.
As plantas medicinais são aquelas que apresentam propriedades medicinais. O conhecimento tradicional tem um papel importante nisso. Diversas plantas são utilizadas por várias culturas para o tratamento de doenças e, com isso, a ciência tem um direcionamento de onde buscar compostos com propriedades medicinais, realizando estudos e testes com essas plantas, confirmando ou refutando a eficácia de seus usos.
Diversos medicamentos foram produzidos através de compostos encontrados nas plantas, como é o caso da morfina, um alcaloide extraído da papoula (Papaver somniferum) ou da artemisinina, um composto com atividade antimalárica extraído da Artemísia (Artemisia annua), abordada mais aqui.
Já os fitoterápicos são medicamentos feitos com partes de plantas, que passam por testes pré-clínicos (in vitro e em animais) e testes clínicos em humanos (fase I, II, III e IV) para testar sua eficácia e segurança. Além disso, esses medicamentos passam por controle de qualidade e, para serem comercializados, precisam ser registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Mesmo possuindo respaldo científico, a pseudociência ronda bastante essa área, extrapolando os resultados dos estudos, prometendo chás e suplementos de plantas milagrosos que curam e previnem todas as doenças conhecidas e desconhecidas.
Contudo, a maior parte das pesquisas sobre as plantas medicinais são laboratoriais e sequer foram testadas em humanos. Um exemplo bastante comum é o da graviola que, segundo dizem, previne o câncer. Entretanto, essas alegações se baseiam em estudos laboratoriais feitos in vitro ou em roedores e seus resultados, embora promissores, não podem ser extrapolados para nós humanos sem antes serem realizados estudos clínicos (RADY et al., 2018).
E o que dá mais força para essas propagandas é o pensamento “Ah, é natural! Se não funcionar, pelo menos não faz mal”, uma falácia extremamente perigosa. Recentemente, um caso bastante divulgado foi o de uma enfermeira que consumia cápsulas chá de ervas “emagrecedoras” e, embora fosse algo natural e não parecesse perigoso, sofreu falência hepática e veio a óbito, um dos vários e tristes exemplos vítimas desse pensamento e das enganações da pseudociência.
Indicações Complementares:
O tema sobre pseudociências é bastante extenso e, infelizmente, não pôde ser abordado em sua totalidade nessa publicação. Mas para se aprofundar mais nesse assunto, seguem, além das referências, algumas indicações especiais:
- Instituto Questão de Ciência: uma associação sem fins lucrativos, atualmente presidida pela microbiologista Natália Pasternak, que defende o uso de evidências científicas nas políticas públicas. Em sua revista, abordam diversos assuntos relacionados à ciência e ao combate às pseudociências.
- [Livro] O mundo assombrado pelos demônios - Carl Sagan: um clássico da divulgação científica, que mostra a necessidade do pensamento crítico e a importância da ciência em nossa sociedade.
- [Vídeo] como uma MENTIRA se torna VERDADE | Ponto em Comum: excelente conto abordando as características das pseudociências, como são propagadas e as proporções que elas podem chegar.
- [Podcast] Pseudociência: como identificar? | Netos de Darwin - EP 26: uma conversa divertida e informativa abordando as características principais das pseudociências, mostrando exemplos e formas de identificá-las.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CARDOSO, T. Pesquisadora esclarece riscos gerados pelas pseudociências – Jornal da USP. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/pesquisadora-esclarece-riscos-gerados-pelas-pseudociencias/>. Acesso em: 14 mar. 2022.
FERNANDES, S. Ervas que prometem emagrecimento podem causar sérios danos ao fígado. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/02/ervas-que-prometem-emagrecimento-podem-causar-serios-danos-ao-figado.shtml>. Acesso em: 14 mar. 2022.
FERREIRA, P. F. V. et al. Por que o GEPLAM não receita plantas medicinais? Disponível em: <https://geplamesalqusp.wixsite.com/website/post/por-que-o-geplam-não-receita-plantas-medicinais>. Acesso em: 14 mar. 2022.
FREITAS, Laura Marise de. Suplementos naturais são mais tóxicos que medicamentos. Youtube, 27 abr. 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lLsjIbYy6pM>
GAGLIONI, C. Como funciona o método científico. E por que ele é diferente de opinião. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/04/05/Como-funciona-o-método-científico.-E-por-que-ele-é-diferente-de-opinião>. Acesso em: 14 mar. 2022.
GOBBI, A. S. et al. Plantas Medicinais: Conhecimento Popular ou Científico? Disponível em: <https://geplamesalqusp.wixsite.com/website/post/plantas-medicinais-conhecimento-popular-ou-científico>. Acesso em: 14 mar. 2022.
Instituto Questão de Ciência. Disponível em: <https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/>. Acesso em: 28 mar. 2022.
LEE, C. M.; HUNSLEY, J. Evidence-based practice: Separating science from pseudoscience. Canadian Journal of Psychiatry, v. 60, n. 12, p. 534–540, 1 dez. 2015.
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MARQUES, F. Mecanismos de autocorreção da ciência : Revista Pesquisa Fapesp. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/mecanismos-de-autocorrecao-da-ciencia/>. Acesso em: 14 mar. 2022.
PILATI, R. Ciência e pseudociência: por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2021.
PIRES, G. N. Os limites da falseabilidade como critério de demarcação para cientificidade. Revista Sociais e Humanas, v. 31, n. 2, 6 nov. 2018.
PSEUDOCIÊNCIAS: Como identificar?. Entrevistado: Luiz Almeida. Entrevistadores: Pedro Park, Nicholas Agulha e Yuri Higa. [S. l.]: [s.n.], 20 jun. 2021. Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/0hJFAKHgambVvYoXVheOJQ?si=Ttotc6W7TPC5lZzQ2BvZnA. Acesso em: 10 mar. 2022.
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