A genética por trás do melhoramento de plantas medicinais
- Anna Beatriz Queiroz Di Souza
- 28 de abr. de 2021
- 7 min de leitura

(Imagem: Jose A. Bernat Bacete/Getty Images. 2017)
Com o crescimento cada vez mais acelerado da população humana, aumentam também os índices de doenças que afetam a humanidade, bem como o número de patógenos colocando em risco a saúde e o bem-estar dos seres humanos. Nessa perspectiva, levando em consideração a riqueza de propriedades farmacêuticas em espécies vegetais, é evidente a necessidade de recorrer à pesquisas e estudos que evidenciem os efeitos terapêuticos das plantas.
As plantas documentadas pelo relatório do Royal Botanical Gardens Kew (Kew 2016) foram classificadas de acordo com o tipo de uso pelos humanos, a exemplo de “matéria-prima”, “combustíveis” e “alimento”. Nesse relatório, a maior quantidade de espécies descritas foi atribuída ao uso medicinal. Esse uso dos vegetais para fins medicinais é feito desde o período antes de Cristo, há milhares de anos atrás. Essa propriedade dos vegetais foi explorada pelos Neandertais, pelos antigos povos mesopotâmicos e pela civilização greco-romana, por exemplo. No passado, na era da história natural, foram produzidas coleções e listagens com o uso de produtos especializados advindos das plantas medicinais, bem como a descrição da morfologia das espécies, incluindo detalhes sobre o tamanho, forma, odor e sabor característicos (Weyrich et al., 2017).
A grande diversidade química das plantas, que permite uma produção de metabólitos vasta, deve-se à enorme diversidade genômica desses vegetais. Porém, o número de metabólitos documentados em literatura ainda é diminuto e, assim, foram descritas e disponibilizadas publicamente sequências completas do genoma de apenas 0,04% do total de espécies de plantas vasculares (Yamazaki, Yoshimoto et al., 2018). Portanto, acredita-se que uma enorme quantidade de informações sobre a genética e a bioquímica de plantas ainda não foi descoberta.
Como a genética pode atuar no estudo das plantas
A partir do final do século XX, quando os estudos na área da genética permitiram o sequenciamento do primeiro genoma completo de uma planta, a Arabidopsis thaliana (Arabidopsis Genome, 2000), inicia-se a atual era da ciência, na qual já existem espécies com seu genoma completamente descrito, incluindo de plantas medicinais – mas o número destas ainda é escasso. Desde então, foram descobertos caminhos para a validação de genes envolvidos, de modo que existem estudos de biologia sintética e alguns casos envolvendo a edição genômica dessas plantas.
Atualmente, com técnicas da biotecnologia, é possível entender a origem e função dos componentes químicos que as plantas produzem. Assim, estudos conhecidos como genômica fitoquímica (Saito, 2013) deverão contribuir para o conhecimento dos metabólitos medicinais, permitindo que, futuramente, essas descobertas possam ser usadas na produção de medicamentos e fitoterápicos, como ao aplicar genes envolvidos na produção de compostos medicinais em organismos que funcionam como um sistema de expressão semelhante, a exemplo da E. coli. Conforme já abordado anteriormente no GEPLAM, a artemisinina, associada ao tratamento da malária, teve sua produção em massa viabilizada devido à abordagens do melhoramento molecular (confira o post completo clicando aqui, ou através do link: https://geplamesalqusp.wixsite.com/website/post/a-artemisinina-e-seus-derivados-como-agentes-no-combate-ao-parasito-da-mal%C3%A1ria).
É esperado que, no futuro, estudos na área da genômica funcional (uma vertente da biologia molecular que descreve as funções de genes e proteínas por meio do sequenciamento de genomas) permitam entender a diversidade química e a função dos metabólitos (produtos provenientes das funções metabólicas) especializados em plantas medicinais. O avanço nos estudos em genética poderá ser viabilizado com o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes, com maior armazenamento de dados e menor custo na aquisição, possibilitando o sequenciamento de DNA e a análise de extensos conjuntos de dados. Assim, prevê-se também um aumento significativo do número de plantas medicinais obtidas por meio de processos genômicos, revelando a origem da diversidade química e evolução das plantas, bem como permitindo a comercialização de produtos da biologia sintética e edição genômica (Yamazaki, Yoshimoto et al., 2018).
Desse modo, ao conhecer os genes, metabólitos e proteínas, bem como quais vias de síntese estão relacionadas com a produção de fitoterápicos, será possível que a biologia sintética (aquela que utiliza bioinformática e técnicas de engenharia genética e bioquímica) seja usada para produzir compostos alvo em maior quantidade ou até mesmo de editar o genoma a fim de obter um organismo modificado com as características desejadas. Em resumo, com o auxílio da tecnologia de edição do genoma é viabilizado o melhoramento de várias espécies de plantas medicinais, estabelecendo protocolos de cultura e transformação de genes eficientes e, consequentemente, produzindo fármacos em larga escala.
Portanto, os estudos em genética são essenciais para permitir a utilização racional e mais eficiente dos efeitos terapêuticos que podem ser aproveitados dos vegetais. Através do melhoramento genético, por exemplo, permite-se o aumento do rendimento das substâncias desejadas, a fixação de genótipos pretendidos em gerações posteriores e a maior resistência à fitopatógenos e adversidades do meio. O melhoramento genético de plantas é o processo no qual os genótipos das espécies são examinados e, frequentemente, moldados na intenção de proporcionar melhorias na produtividade, de modo que tais características sejam fixadas no genoma da espécie, permitindo que perpetuem nas próximas gerações a serem obtidas.
E como saber quais são os genes e proteínas que produzem os fitoterápicos?
Com o passar dos anos, os avanços tecnológicos permitiram a diminuição no custo do sequenciamento de DNA, além do aperfeiçoamento das técnicas de sequenciamento e mapeamento do genoma. Mesmo assim, o investimento financeiro necessário para decifrar o genoma completo de todas as espécies existentes é inviável no momento. Dessa maneira, uma solução mais prática é o sequenciamento dos RNAs como abordagem que permite a identificação de alguns aspectos específicos das funções e estruturas do DNA, como ao analisar RNAs mensageiros, por exemplo. Essa análise consegue identificar quais genes codificam determinadas proteínas e, assim, entender a biossíntese (processo que envolve a produção de compostos químicos em um organismo vivo) dos metabólitos associados às plantas medicinais, permitindo a descrição de partes dos genomas de algumas medicinais recentemente (Tripathi et al., 2016).
Resumindo: é necessário o uso de tecnologias de ponta que permitam encontrar quais os genes responsáveis pela produção e expressão de compostos terapêuticos em plantas e, em seguida, utilizá-los para desenvolver substâncias potencialmente úteis como quiomioterapêuticos contra doenças, seja por meio de elevar a produção do composto na própria planta ou pela fabricação deste por um sistema de expressão heterogêneo, como bactérias e leveduras.
Quais as vantagens de utilizar a genética nos estudos de plantas medicinais?
De acordo com Yamazaki, Yoshimoto, et al. (2018), pesquisas e técnicas voltadas à biotecnologia vegetal poderão auxiliar os países a cumprirem algumas das metas previstas pelas Nações Unidas em relação ao desenvolvimento sustentável e econômico, a exemplo da fome zero, boa saúde e bem-estar e manutenção da vida na Terra. Segundo Hasenclever et al. (2017), o setor fitoterápico possui grande potencial como alternativa para alcançar essas metas de desenvolvimento sustentável previstas pela ONU, mas, para isso, é necessário o avanço nas pesquisas e na produção desses medicamentos no Brasil.
Para os autores Queiroz, Goedert e Ramos (1999), o melhoramento genético de plantas medicinais pode contribuir para gerar tecnologia eficiente e empregos, diminuindo a desigualdade social e a concentração de renda. Nessa perspectiva, as pesquisas servirão para estimular o cultivo racional da matéria-prima, aprimorando o extrativismo para ações mais sustentáveis, bem como criarão empregos nas áreas da tecnologia e ciência.
Como utilizar os recursos naturais (plantas medicinais) sem esgotá-los da natureza?
Mesmo com a enorme riqueza em biodiversidade no país, a exploração desenfreada dos recursos da natureza traz prejuízos enormes ao planeta. Para que isso não ocorra, é necessária a incorporação de modelos sustentáveis de uso dos recursos, bem como de mecanismos de conservação ambiental, de modo que haja garantia da disponibilidade destes no meio ambiente com o passar dos anos.
Para que a preservação não impeça o desenvolvimento tecnológico e econômico, a conservação ambiental e a implementação de inovações devem caminhar juntas. Com isso, haverá menos custos para as empresas que fazem uso dessa exploração, além de melhoria na imagem para os clientes e um consequente aumento no faturamento quando comparado com métodos não sustentáveis. Exemplos de empresas cujas estratégias visam utilizar os recursos da biodiversidade sem esgotá-los são: Ybios, Centroflora e Natura (Ferro, Bonacelli, Assad, 2006).
Sugestão de leitura:
Se você tem interesse em ler um pouco mais sobre a relação entre a genética e as plantas medicinais, o GEPLAM recomenda a leitura do artigo “Conservation of Genetic Resources: a study with medicinal plants on the coast of Paraná – Brazil”. O trabalho de autoria atribuída a Luiz da Silva, Wanderlei do Amaral, Marcos da Silva e Adriana de Oliveira apresenta as potencialidades da utilização sustentável de espécies medicinais nativas do Paraná, contemplando o recurso genético e a diversidade disponível nos locais. Leia o texto por completo clicando aqui ou através do link https://doi.org/10.1590/1809-4422asoc20180299r1vu2020l1ao.
Referências bibliográficas:
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FERRO, Ana Flávia Portilho; BONACELLI, Maria Beatriz Machado; ASSAD, Ana Lúcia Delgado. Oportunidades tecnológicas e estratégias concorrenciais de gestão ambiental: o uso sustentável da biodiversidade brasileira. Gest. Prod., São Carlos, v. 13, n. 3, p. 489-501, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-530X2006000300011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 29 mar. 2021. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-530X2006000300011.
HASENCLEVER, Lia et al. The Brazilian phytotherapics industry: challenges and opportunities. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 8, p. 2559-2569, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017002802559&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 29 Mar. 2021. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017228.29422016.
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Assunto muito importante abordado, que deve ser cada dia mais retratado em sociedade, muito bem escrito e detalhado !!!
Texto incrível! Muito bem escrito, bastante informativo e interessante. Autora excelente!!!
Texto maravilhoso e muito perfeito! Parabéns meu amor,orgulho!!
texto e autora maravilhosos!!!!! orgulho demais!! ♡♡
Achei muito informativo e cativante! Parabéns pelo trabalho!