O Café: dos benefícios ao melhoramento genético
- João Vitor Ferro Mazzei
- 20 de set. de 2021
- 7 min de leitura

(Foto por Anna Subbotina)
O cultivo de café (Coffea spp.) possui grande importância na economia mundial, pois é amplamente consumido e um dos produtos agrícolas mais importantes. O Brasil ocupa de forma soberana a posição de maior produtor de café no mundo, seguido pelo Vietnã, Colômbia e Indonésia (CONAB, 2021). Os maiores importadores e consumidores são a Comunidade Européia e os Estados Unidos.
O café é nativo da África, sendo que as espécies mais comuns são originárias da Etiópia (Coffea arabica) e da costa Atlântica (Coffea canephora, também conhecida como robusta).
No Brasil, o café foi introduzido em 1727 no Pará vindo da Guiana Francesa, e o seu cultivo se disseminou nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, e Espírito Santo (revisado em Santos et al., 2021). Devido a sua importância no consumo mundial e as diferentes preferências com o sabor, aroma e consistência, a genética do café é amplamente estudada. No Brasil, a EMBRAPA Café apresenta inúmeras publicações sobre o cultivo, fisiologia e genética do café. Vale conferir!
O café, seus compostos e a saúde
Em 2017, Grosso e colaboradores, realizaram um estudo de meta-análise (método estatístico muito mencionado hoje em dia) sobre o consumo e as consequências do café e da cafeína para a saúde. Para contextualizar, meta-análise é uma técnica estatística que combina os resultados produzidos independentemente e disponíveis na literatura.
Nessa meta-análise, foram reunidos 127 artigos, entre eles estão 112 meta-análises de estudos observacionais sobre o café e 20 sobre a cafeína, além de 4 meta-análises de estudos randomizados controlados (RCTs) sobre café e 5 sobre a cafeína.
Através dessa meta-análise, os autores apresentaram as diversas evidências sobre os “prováveis” (preste atenção a esse termo) benefícios do café para diversas doenças crônicas, cânceres (próstata, colorretal, fígado, endometrial), doenças cardiovasculares, condições neurológicas e relacionadas ao metabolismo (como diabetes tipo 2), que valem ser exploradas mais afundo nesse texto.
Em primeiro lugar, destaca-se as propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias do café, efeitos proporcionados graças aos compostos fenólicos (um dos principais determinantes da qualidade, o aroma e sabor do café), cafeína (composto mais estudado do café e que possui diversos outros benefícios, vide a seguir), diterpenos, trigonelina (contribui para o amargor do café) e melanoidinas (GROSSO et al., 2017).
Outro benefício observado é a capacidade do café de induzir mudanças na microbiota intestinal, modificando a proporção de diferentes filos de bactérias. O aumento de bifidobactérias (bactérias pertencentes ao gênero Bifidobacterium), por exemplo, têm sido associados aos efeitos anti-inflamatórios, diminuição de processos carcinogênicos e redução da doença de Parkinson (GROSSO et al., 2017).
Compostos fitoquímicos (como diterpenos, melanoidinas e polifenóis) presentes no café agem como inibidores de estresse oxidativo e de dano oxidativo, processos esses que participam da transformação inicial de uma célula normal em uma célula cancerígena. Além disso, o café desempenha papéis no mecanismo de defesa, reparo de DNA, mecanismos de apoptose (morte celular programada), atividade enzimática, efeitos antiproliferativos, anti-angiogênicos e anti-metastáticos (GROSSO et al., 2017).
Efeitos benéficos à saúde cardiovascular, como menor risco a aterosclerose, e redução de risco de cálculos biliares e renais também foram observados na meta-análise feita por Grosso e colaboradores (2017).
Por fim, mas não menos importante, o café está associado a uma ação neuroprotetora, como na redução de risco da doença de Parkinson e na saúde mental como um todo. Os principais motivos são a ligação da cafeína ao receptor adenosina, resultando na liberação de dopamina e outros neurotransmissores excitatórios e ação antioxidante dos ácidos clorogênicos, associados à neurogênese (formação de neurônios) (GROSSO et al., 2017).
Entretanto, problemas relacionados a gravidez (perda da gravidez, baixo peso ao nascer, leucemia infantil) ligados a cafeína, aumentos agudos na pressão arterial e maior concentração de lipídios séricos (lipídios presentes no sangue) foram observados nos estudos (GROSSO et al., 2017).
É importante ressaltar o termo “prováveis” utilizado pelos autores, revelando que ainda há um amplo espaço para pesquisas objetivando entender a importância do café para saúde humana e pública, como um todo!
Genética e melhoramento do café através da biotecnologia
A cultura do café enfrenta inúmeros desafios com variação nas condições climáticas e estresses provocados por patógenos. Períodos prolongados de seca e altas temperaturas afetam negativamente a composição de grãos (por exemplo, açúcares redutores, proteínas e cafeína) e, consequentemente, na qualidade da bebida final (Breitler et al., 2018). Sendo necessário que os pesquisadores estudem maneiras de adaptar as espécies de café às condições de cultura, utilizando métodos de melhoramento genético.
As várias espécies de café apresentam ploidias diferentes, isso significa que elas apresentam mais de dois conjuntos de cromossomos homólogos. Por exemplo, C. arabica é tetraplóide (2n = 4x = 44) e C. canephora é diplóide (2n = 2x = 22), nós humanos somos diplóides (2n = 2x = 46), carregando um conjunto cromossômico originário de cada parental.
As diferentes ploidias das espécies do gênero Coffea dificultam a introdução de características agronômicas entre as espécies desse mesmo gênero. Além disso, as plantas demoram 2 anos para completar o seu ciclo de vida. No caso de C. arabica, a base genética é estreita (atribuída ao seu modo de reprodução - autopolinização).
Em revisão apresentada por Villalta-Villalobos et al. (2019), os métodos para o melhoramento do café mostram-se promissores quanto à utilização de técnicas modernas, incluindo a edição de genomas. Autores como Campos et al. (2017) e Breitler et al (2018) descrevem os avanços tecnológicos das metodologias que utilizam CRISPR-CAS (edição de genomas). Fiquem atentos as nossas publicações sobre essa e outras tecnologias!
Genes envolvidos na síntese de cafeína
A cafeína é um metabólito que apresenta grande importância econômica e um dos mais estudado, em especial no café, influenciando as ações fisiológicas e sensoriais proporcionadas pela bebida, além de participar da resistência do cafeeiro contra ataque de predadores (PERROIS et al., 2015).
A biossíntese da cafeína, nas espécies de Coffea, inicia-se com a degradação de nucleotídeos púricos através de três enzimas N-metiltransferases: XMT, MXMT e DXMT (PERROIS et al., 2015) . Compreender esse metabolismo e identificar os genes responsáveis por esse processo são essenciais para futuros melhoramentos genéticos em cafeeiros, gerando variedades com maior produtividade, qualidade e resistência.
O estudo realizado por PERROIS et al. (2015) analisa as diferentes regulações do metabolismo da cafeína em Coffea arabica (Arabica) e Coffea canephora (Robusta), observando os genes que codificam as enzimas N-metiltransferases (que participam do metabolismo da cafeína) em diferentes estágios de desenvolvimento da folha e do grão de café.
Nesse estudo, foram observados a expressão de cinco genes que codificam diferentes N-metiltransferases no haplóide Coffea arabica (CaXMT1 , CaXMT2 , CaMXMT1, CaMXMT2, CaDXMT1 e CaDXMT2) e três genes no duplo haplóide Coffea canephora (CcXMT1 , CcMXMT1 e CcDXMT) e identificou quais desses genes codificam N-metiltransferases (XMT, MXMT e DXMT) que participam do metabolismo da cafeína (PERROIS et al., 2015):
XMT: CaXMT1 e CaXMT2 em C. arabica e CcXMT1 em C. canephora;
MXMT: CaMXMT1 e CaMXMT2 em C. arabica e CcMXMT1 em C. canephora;
DXMT: CaDXMT1 e CaDXMT2 em C. arabica e CcDXMT em C. canephora.
Através das análises de expressão desses genes, notou-se que a maior concentração de cafeína está presente nas folhas jovens em ambas as espécies, sendo consideravelmente menor (metade) em C. arabica (PERROIS et al., 2015).
Com o desenvolvimento das folhas, notou-se uma redução na expressão desses genes, fazendo com que as folhas maduras apresentassem menor acúmulo de cafeína em relação às folhas jovens, uma queda de aproximadamente 70% em ambas as espécies (PERROIS et al., 2015).
Durante o desenvolvimento do grão de café, a expressão dos genes para essas enzimas também apresentaram diferenças. Em estágios iniciais (grão verde), observou-se um maior teor de cafeína, que reduziu drasticamente em estágios finais de maturação do grão (grão amarelo e grão vermelho), em ambas as espécies (PERROIS et al., 2015).
Logo, identificar genes que participam do metabolismo da cafeína no café e compreender em quais estágios de desenvolvimento do cafeeiro eles são expressos são importantes alvos para melhoramentos genéticos, que visam produzir novas variedades de café com maior qualidade, produtividade e resistência.
Uma breve conclusão
O café (Coffea spp.) é amplamente cultivado e consumido no mundo, com uma gigantesca importância econômica mundial. No Brasil, introduzido em 1727, o café se espalhou por todo o país, que se tornou o maior produtor, exportador e segundo maior consumidor do mundo (Embrapa, 2020).
Relacionado a saúde humana, o café e seus compostos são amplamente estudados, onde diversos estudos apresentam prováveis evidências robustas de que seu consumo está associado à efeitos benéficos para várias doenças crônicas, cânceres, doenças cardiovasculares, neurológicas e metabólicas, como observado na meta-análise de Grosso e colaboradores (2017), onde um dos principais compostos estudados para esses fins é a cafeína.
Já na agricultura, diversos fatores dificultam a produção de cafeeiros e que podem reduzir a qualidade do grão no produto final, como é o caso de variações climáticas, patógenos e períodos de estresse hídrico. Por conta disso, o uso da biotecnologia para o melhoramento genético do café vem aumentando a cada ano. Diversas técnicas são utilizadas, a partir de descobertas de genes de metabólitos importantes do café, alterações cromossômicas, seleções e até mesmo edição de genomas, permitindo o cultivo de safras mais resistentes e de maior qualidade.
Indicação de leitura
Se tem interesse em saber mais sobre a como a biotecnologia está relacionada com o cultivo do café, o GEPLAM sugere o artigo Somatic Embryogenesis in Coffee: The Evolution of Biotechnology and the Integration of Omics Technologies Offer Great Opportunities, usado como referência para essa publicação. Os autores Nádia A Campos, Bart Panis e Sebastien C Carpentier abordam o uso da embriogênese somática no melhoramento do café, apresentando seus gargalos e perspectivas futuras para uso dessa técnica efetivamente. Vale a pena conferir!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DOS SANTOS, D. G. et al. Brazilian coffee production and the future microbiome and mycotoxin profile considering the climate change scenario Microorganisms MDPI AG, 1 abr. 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.3390/microorganisms9040858>. Acesso em: 27 jun. 2021.
CAMPOS, N. A.; PANIS, B.; CARPENTIER, S. C. Somatic embryogenesis in coffee: The evolution of biotechnology and the integration of omics technologies offer great opportunities Frontiers in Plant Science Frontiers Media S.A., 21 ago. 2017. Disponível em: < https://doi.org/10.3389/fpls.2017.01460>. Acesso em: 27 jun. 2021.
BREITLER, J. C. et al. CRISPR/Cas9-mediated efficient targeted mutagenesis has the potential to accelerate the domestication of Coffea canephora. Plant Cell, Tissue and Organ Culture, v. 134, n. 3, p. 383–394, 1 set. 2018.
CONAB. COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Café - Análise Mensal - Junho/Julho 2020. Brasília: Companhia Nacional de Abastecimento. 2020. Disponível em: <https://www.conab.gov.br/info-agro/analises-do-mercado-agropecuario-e-extrativista/analises-do-mercado/historico-mensal-de-cafe>. Acesso em: 27 jun. 2021.
FERREIRA, L. T. Exportação mundial de café totaliza 51 milhões de sacas de 60 kg no período de outubro de 2019 a fevereiro de 2020 - Portal Embrapa. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/51330898/exportacao-mundial-de-cafe-totaliza-51-milhoes-de-sacas-de-60-kg-no-periodo-de-outubro-de-2019-a-fevereiro-de-2020>. Acesso em: 27 jun. 2021.
GROSSO, G. et al. Coffee, Caffeine, and Health Outcomes: An Umbrella ReviewAnnual Review of Nutrition Annual Reviews Inc., 21 ago. 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.1146/annurev-nutr-071816->. Acesso em: 27 jun. 2021
PERROIS, C. et al. Differential regulation of caffeine metabolism in Coffea arabica (Arabica) and Coffea canephora (Robusta). Planta, v. 241, n. 1, p. 179–191, 1 jan. 2015.
VILLALTA-VILLALOBOS, J.; GATICA-ARIAS, A. A look back in time: Genetic improvement of coffee through the application of biotechnology. Agronomy Mesoamerican, v. 30, n. 2, p. 577–599, 2019.
Muito legal saber mais sobre! Adorei o texto!