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O primeiro genoma de uma espécie silvestre de maracujá e sua importância para o gênero Passiflora

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    Cientista Visitante
  • 8 de nov. de 2021
  • 6 min de leitura

Autores: Zirlane Portugal da Costa, Claudia Barros Monteiro-Vitorello, Andrea Pedrosa-Harand, Alessandro de Mello Varani e Maria Lucia Carneiro Vieira


Os maracujás (Passiflora spp.) pertencem à família Passifloraceae. O gênero Passiflora é o mais rico da família, com cerca de 520 espécies descritas (Ulmer and MacDougal, 2004), que encontram-se distribuídas no continente Americano, incluindo as regiões Amazônica e Andina. No Brasil, há cerca de 145 espécies, sendo 83 endêmicas (Bernacci et al., 2015).

As espécies de Passiflora apresentam atributos biológicos de interesse em diversos estudos (Ingale and Hivrale, 2010; Castro et al., 2018; Cauz-Santos et al., 2020; Krist, 2020). Algumas espécies são cultivadas para uso fitoterápico, consumidas como extratos, chás ou comprimidos, para tratamento da ansiedade e distúrbios relacionados (Canella et al., 2019). Outras são usadas como ornamentais, pela beleza de suas flores, ou na indústria cosmética, com a produção de sabonetes, perfumes, etc. Porém, o uso mais frequente tem como objetivo o consumo dos frutos in natura, que são também utilizados pela indústria de sucos processados. As principais espécies cultivadas para a produção de frutos no Brasil são: P. edulis (forma amarela e roxa) e P. alata (maracujá doce). O maracujá amarelo está presente na maioria dos pomares (~95%) comerciais do Brasil (Agrianual, 2017), devido a qualidade dos frutos e a industrialização do suco.

Apesar da importância e da exuberante diversidade dessas espécies, há poucas informações sobre as passifloras, limitando o avanço da pesquisa. Nosso grupo de pesquisa vem gerando há mais de duas décadas um corpo extenso de informações sobre as passifloras cultivadas no Brasil. O primeiro trabalho com genômica em passiflora começou em 2012, com a construção de uma biblioteca genômica para P. edulis inserida em cromossomos artificiais de bactérias. Esta biblioteca possui fragmentos de DNA que cobrem cerca de 6 × o genoma da espécie, estimado em ~1.230 Mb (Yotoko et al., 2011). Posteriormente, sequências dessa biblioteca foram obtidas e analisadas, mostrando a anotação de genes e estudos comparativos com outras espécies, dentre outras análises (Munhoz et al., 2018). Esses estudos analisaram uma parte pequena do genoma, porém estes foram os primeiros estudos genômicos para a espécie.

Muito recentemente, apresentamos o artigo, publicado na revista “The plant genome”, acerca da obtenção do primeiro genoma completo de uma espécie silvestre, diploide (2n=12), de Passiflora, P. organensis (Costa et al., 2021 - https://doi.org/10.1002/tpg2.20117). Este trabalho foi desenvolvido na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, sob a coordenação da professora Maria Lucia Carneiro Vieira, e colaboradores de outras instituições.

P. organensis é conhecida como maracujazinho da serra, encontrada na Mata Atlântica das regiões Sul e Sudeste do Brasil, apresentando uma morfologia característica das passifloras (Figura 1).


Passiflora Genética Maracujá

Figura 1: À esquerda, Passiflora organensis em seu hábitat natural (região de Mata Atlântica na Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba, SP), evidenciando a estrutura da planta, como disposição das folhas, gavinhas e fruto. À direita é mostrada a estrutura das flores da planta mantida em casa de vegetação, no departamento de Genética da ESALQ, em Piracicaba, SP.


P. organensis possui o menor genoma conhecido do gênero (~260 Mb - Yotoko et al., 2011). No total, foram gerados 92 Gb de dados, utilizando diferentes plataformas de sequenciamento (Illumina, Pacbio e Oxford Nanopore). Com essa quantidade de dados de sequência, foi possível obter um genoma de 259 Mb, montado em 360 scaffolds, que são “pedaços” grandes de sequências que fazem parte do genoma. Alguns desses scaffolds puderam ser atribuídos a seus respectivos cromossomos com o auxílio de abordagens de bioinformática e utilizando DNAs satélites (sequências de DNA repetitivo que se encontram em locais específicos dos cromossomos) como marcadores citogenômicos. Foi possível também a montagem e identificação de regiões características dos cromossomos, como os centrômeros e telômeros (Figura 2).


Figura 2: Diagrama da montagem do genoma de P. organensis (259 Mb) mostrando os scaffolds atribuídos a seus respectivos cromossomos. É possível também verificar a localização de alguns centrômeros, telômeros e DNA satélite nos cromossomos (Adaptado de Costa et al., 2021 - doi.org/10.1002/tpg2.20117).


A porção repetitiva do genoma de P. organensis correspondeu a 58,55%, sendo essa fração composta por elementos de transposição (TEs). Os TEs têm um papel importante na estrutura e evolução do genoma vegetal. Pela primeira vez, todas as cópias de TEs de uma espécie de Passiflora foram identificadas. Em relação a anotação de genes, foram identificados 25.327, cujas sequências correspondem a 31% do genoma. Aqui, apresentamos o primeiro conjunto completo de genes de uma espécie silvestre de Passiflora. Este conjunto de genes pode ajudar significativamente as equipes que trabalham com Passiflora, facilitando pesquisas por genes específicos e diferentes tipos de análise.

Por exemplo, genes potencialmente envolvidos na autoincompatibilidade (SI - self-incompatibility), presente nas passifloras, foram identificados no conjunto de dados de P. organensis. A identificação do loco S representa o primeiro passo para aprofundar o conhecimento acerca do sistema SI em Passiflora. Além disso, a disponibilidade de genes SI é muito importante para a sua descoberta em P. edulis, a fim de selecionar genótipos compatíveis e disponibilizá-los em campos de produção. Outro exemplo é o estudo da família de fatores de transcrição MADS-box, que está envolvida no desenvolvimento e na transição de fase e na identificação dos órgãos florais (Kramer, 2019). Identificamos 75 sequências completas que, provavelmente, representam o conjunto total de membros da família em P. organensis.

A disponibilidade desse genoma beneficiará enormemente o avanço em genômica comparativa e genética molecular e servirá como uma ferramenta valiosa para análises evolutivas em Passiflora, especialmente para comparação com o genoma do maracujá roxo (P. edulis), recentemente publicado (Xia et al., 2021). Por exemplo, a realização de análises que possibilitem investigar os fatores evolutivos que levaram a diferença entre o tamanho dos genomas (1.341 Mb em P. edulis e 259 Mb em P. organensis) e o número de cromossomos (2n=18 em P. edulis e 2n=12 em P. organensis), e os processos que podem ter atuado de maneira distinta nos respectivos subgêneros (Passiflora e Decaloba). Além disso, a identificação dos genes comuns/únicos e das famílias de genes em expansão/contração nas duas espécies irá auxiliar na investigação dos mecanismos que favoreceram a seleção de caracteres vinculados à domesticação e melhoramento de P. edulis.

Sobre a autora:

Zirlane Portugal da Costa

Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Ceará (2011) e mestrado em Ciências/Genética e Melhoramento de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ/USP (2014), onde trabalhou com duas espécies cultivadas de Passiflora, P. edulis e P. alata, com o objetivo de desenvolver marcadores funcionais putativos (SSRs e SNPs) pela prospecção de transcritos de P. edulis.

Também possui doutorado em Ciências/Genética e Melhoramento de Plantas pela ESALQ/USP (2018), onde trabalhou com dados de uma biblioteca genômica de longas sequências de P. edulis, com ênfase na identificação e caracterização de elementos de transposição. Atualmente, é pós-doutoranda do departamento de Genética da ESALQ, atua nas áreas de Genômica e Bioinformática, e coordena o projeto de obtenção do genoma de uma passiflora silvestre, P. organensis.

REFERÊNCIAS

Bernacci, L.C., A.C. Cervi, M.A. Milward-de-Azevedo, T.S. Nunes, D.C. Imig, and A.C. Mezzonato. 2015. Passifloraceae. http://reflora.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB182 (accessed November 15, 2017).

Canella, C., C. Bachmann, B. Wolfensberger, and C.M. Witt. 2019. Patients’ experiences attributed to the use of Passiflora incarnata: a qualitative, phenomenological study. J. Ethnopharmacol. 231:295–301. doi:10.1016/J.JEP.2018.11.022.

Castro, É.C.P., M. Zagrobelny, M.Z. Cardoso, and S. Bak. 2018. The arms race between heliconiine butterflies and Passiflora plants - new insights on an ancient subject. Biol. Rev. 93:555–573. doi:10.1111/brv.12357.

Cauz-Santos, L.A., Z.P. Costa, C. Callot, S. Cauet, M.I. Zucchi, H. Bergès, C. van den Berg, and M.L.C. Vieira. 2020. A repertory of rearrangements and the loss of an inverted repeat region in Passiflora chloroplast genomes. Genome Biol. Evol. 12:1841–1857. doi:10.1093/gbe/evaa155.

Costa, Z.P., A.M. Varani, L.A. Cauz-Santos, M.A. Sader, H.A. Giopatto, B. Zirpoli, C. Callot, S. Cauet, W. Marande, J.L.S. Cardoso, D.G. Pinheiro, J.P. Kitajima, M.C. Dornelas, A.P. Harand, H. Berges, C.B. Monteiro-Vitorello, and M.L.C. Vieira. 2021. A genome sequence resource for the genus Passiflora, the genome of the wild diploid species Passiflora organensis. Plant Genome e20117. doi:10.1002/TPG2.20117.

Ingale, A.G., and A.U. Hivrale. 2010. Pharmacological studies of Passiflora sp. and their bioactive compounds. African J. Plant Sci. 4:417–426.

Kramer, E.M. 2019. Plus ça change, plus c’est la même chose: the developmental evolution of flowers. Curr. Top. Dev. Biol. 131:211–238. doi:10.1016/bs.ctdb.2018.11.015.

Krist, S. 2020. Passion fruit seed oil. Sabine Krist, ed. Springer Cham.

Munhoz, C.F., Z.P. Costa, L.A. Cauz-Santos, A.C.E. Reátegui, N. Rodde, S. Cauet, M.C. Dornelas, P. Leroy, A. de M. Varani, H. Bergès, and M.L.C. Vieira. 2018. A gene-rich fraction analysis of the Passiflora edulis genome reveals highly conserved microsyntenic regions with two related Malpighiales species. Sci. Rep. 8:13024. doi:10.1038/s41598-018-31330-8.

Ulmer, T., and J.M. MacDougal. 2004. Passiflora: Passionflowers of the World. Timber Press, Cambridge.

Xia, Z., D. Huang, S. Zhang, W. Wang, F. Ma, B. Wu, Y. Xu, B. Xu, D. Chen, M. Zou, H. Xu, X. Zhou, R. Zhan, and S. Song. 2021. Chromosome-scale genome assembly provides insights into the evolution and flavor synthesis of passion fruit (Passiflora edulis Sims). Hortic. Res. 8:14. doi:10.1038/s41438-020-00455-1.

Yotoko, K.S.C., M.C. Dornelas, P.D. Togni, T.C. Fonseca, F.M. Salzano, S.L. Bonatto, and L.B. Freitas. 2011. Does variation in genome sizes reflect adaptive or neutral processes? New clues from Passiflora. PLoS One 6:e18212. doi:10.1371/journal.pone.0018212.



 
 
 

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